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quinta-feira, 31 de outubro de 2013


"Eu nasci pra você, eu não presto, eu não presto..."
Sob medida - Chico Buarque



Quando o menino jornalismo morreu eu estava online.
Li, com olhos arregalados, o que dizia a frase de aproximadamente 100 caracteres. Eu não sabia se era verdade, não tinha links, comprovações, não tinha wikipédia atualizada ou homenagem especial no Jornal Nacional. Talvez o menino jornalismo não merecesse tanta atenção, porque o que ele sofria de atentados contra a própria vida era absurdo.
No dia que o menino jornalismo morreu, eu pensei que era mentira. Não tinha ninguém chorando, ninguém culpando o sistema ou reclamando de erro na apuração da notícia.  Não tinha nota oficial da Dilma invadindo os noticiários ou aquela frase clichê do "Já foi tarde". Não tinha ninguém enviando coroas de flores na porta das redações.
Ninguém quis pagar a conta do velório.
Outra coisa que ninguém quis pagar foi o próprio jornalismo, e ele até quis se vender barato. Ele desejou ser assim, quase uma doação, pois tudo o que veio depois dele era gratuito. Quem é que ainda tinha paciência de buscar  (ou pagar) a informação correta? “Imagina, se eu posso ter a versão que eu quiser, porque buscar a verdadeira?”
Era o que eu ouvia dos próprios jornalistas pelas entrelinhas fonéticas e desacertos gramaticais pautados em meia lauda. Foi aí que passei a repudiá-los. E eu podia, já que conhecia o sistema jornalístico.


Eu quis por muitas vezes visitar o jornalismo na UTI. Era numa sala escura no fundo do corredor da universidade. Corredor de gente que não sabia trazer vida das ruas. As pessoas que ali transitavam já estavam seduzidas pelos livros com estatísticas velhas e colunas sociais mal diagramadas. E das vezes que cheguei perto dele, não sabia se ele ainda era um menino puro. Algumas vezes me parecia um senhor bem rabugento, pronto pra afrontar e sair da cama para, sei lá, criar outras tantas linhas finas que emplacariam novas manchetes memoráveis. Vez ou outra o então jornalismo era um senhor desacreditado, certamente professor na faixa dos 40, que ficava incrédulo ao ver sua turma tão desapaixonada pela profissão. Mas ele mesmo não fazia muita questão de labaredear  os então discentes.
De vinte anos pra cá, ninguém mais quis saber o que realmente se passava com o menino jornalismo  e então ele passou a viver com a ajuda de aparelhos.  E mesmo preso envolto em dificuldades, ele ainda respirava. Eu podia ouvir a respiração daqui. E o Jornalismo continuava lá. Aquele sacripantas cheio de escrúpulos, mesmo que pra muitos pareçam escrúpulos defasados.
E, conclusivamente, me dei conta que aquela frase que acusava sua morte na realidade era a morte do jeito torpe de informar. Quem se utiliza dessa torpeza é que acaba esquecido. O jornalismo capenga, pelo que consta, ainda está com o plano de saúde em dia. Não que isso seja muita coisa, mas por ora, significa que o caixão ainda não será preenchido.


@gi_cabral é jornalista e está viva. É o que dizem! 


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